segunda-feira, setembro 08, 2008

Romance III



Tinham um vazio em comum, mas todos tinham uma espécie de vazio naquela cidade imensa. Isso não os fazia especiais, as personagens não eram especiais, nem melhores nem piores do que ninguém. Então o que os faria personagens de ficção? A história secreta? Assim não tinha condições de continuar. Não havia cena, nem eventos e a narrativa se tornava uma meta-narrativa, ninguém se interessaria por aquela história.


Foi aí que eu decidi começar:


A cidade de São Paulo não tinha nada de especial, nem o charme de Buenos Aires, Nova Iorque ou San Tiago, tampouco a melancolia de Pirajuí numa tarde vazia, pensou Ullysses, mas não quis falar. Podia ser a capital do cassino financeiro, não dava a miníma pra cidade. Sentia-se estúpido bem no meio da enunciação, pois não sabia o que fazer ao lado de Merina, continuou calado. O filme ia começar, era a primeira vez que estavam juntos e estavam a sós. Merina achava que a amiga voltaria logo e ela não assistiria o filme com aquele cara, um estranho até então.

Estranho não porque era esquisito ou enfiava o dedo no nariz, não, talvez enfiasse mas não era o caso. Estranho porque era muito mais velho que ela, Merina tinha 17 e Ullysses 58, além disso tinham sido apresentados a minutos atrás, mal sabiam se se conheceriam. Resolveu quebrar o gelo e conversou com Ullysses sobre cinema, aspirinas e urubus.

Merina sempre linda, aquela noite de jeans e camiseta branca e tênis surrado, seus olhos refletiam os créditos, os caracteres, as personagens. A sorte de ambos é que o filme era ruim. Conversaram, sussurraram e beberam histórias de existir nesse mundo, eventos tristes, uns nem tanto, outros um tanto alegres. Ah, Ulysses até que era bonitinho pra idade, não é, tinha 58 mas parecia 49..
Merina achava que éramos todos criaturas da poeira cósmica, formados de vazios também, todos iguais em essência, criaturas do vento. Ullysses admirava seus cachinhos e não entendia o que ela contava. No fim, Lola apareceu, já era manhã e os dias não eram mais os mesmos.

Depois daquela noite queria revê-la, conversar mais, sentir seus olhos nos dele. Queria se aproximar mais de Merina, tornar-se algo do qual Merina sentisse falta, um amigo, mas não sabia como; se sentia ridículo e abandonado ao silêncio, não tinha idade pra se aproximar de uma garota tão nova, se sentia uma espécie de pedófilo, um molestador ou algo que o valha. Merina não tinha as mesmas nóias, gostava da presença de Ullysses e só. Sentia-se admirada por aquele velho, mas não chegava a cogitar nada além disso. Até ela começar a ler esta história.

Não havia nada a decifrar até aqui, nem alusões, nem subentendidos, e Ullysses começou a gostar de Merina, sem saber o porquê, sem nem mesmo saber que gostava.

Certo dia, Babí convida Ullysses para um sarau. Babí tal como Ulysses e Merina estava dividida entre a metafísica e o materialismo, no seu caso, tentava entender o mundo por meio ora da astrologia, ora psicanálise - gostava apaixonadamente de ambas. Inventou o Sarau pra gente se reunir em sua casa, comer, beber e discutir vida e literatura. Droga - - o que pode a literatura? trocaram e mails, blogs e Merina propôs que escrevessem um conto com o mesmo mote, acho que era algo sobre o alcool no Afeganistão ou cigarro na China. Tinha mais gente no sarau mas as trocas simbólicas ocorreram no metrô, enquanto Lola agarrava Cacá que também estava no sarau. Merina maravilhosa usava uma saia muito verde e uma blusinha floridinha, Ullysses não lembro o que ele usava, mas relia Rayeulla e pensava em la Maga. A literatura pode alguma coisa?

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