quarta-feira, setembro 03, 2008

Romance II ?


Ando perturbado e durmo mal, às vezes sem dormir e pensei em trocar o título para Diário de um romance (ou diário de um conto - como Cortázar). Parte da questão são os episódios que fervilham em minha mente, na hora do almoço, na biblioteca, durante as aulas, o tempo todo. Ulysses também não conseguia dormir, lia muito Arguedas em suas noites insones e dormia nas aulas. Merina estava muito anciosa em relação a seu futuro.
Achava que os dois tinham muita coisa em comum, assim como careciam de muita, também. Mas não era assim que eu queria continuar a história. Não dormia porque não sabia como terminá-la ou como continuá-la. Engraçada palavra história, polissêmica, quero dizer, tanto pode ser fato quanto ficção, isto é, pode se referir aos fatos ou ao relato deles - enfim uma discussão para ficções teóricas.
Por falar em fatos, eles tinham tudo em comum, por exemplos, preocupavam-se com a fome e o desperdício de alimentos, gostavam de contar e encantar histórias, inquietavam-se com o problema da não demarcação contínua das terras da reserva Raposa do Sol, gostavam de Chico e Bandeira, perturbavam-se com o enxofre no disel, a qualidade da gasolina, o número de carro nas ruas, o transporte público e o crescimento da indústria automobilística no país, também queriam uma educação de qualidade e para todos.
Tinham dúvidas iguais à respeito de muita coisa, por exemplo a equação: mais igualdade equivale a menos liberdade e mais liberdade a mais propriedade, por tanto, mais propriedade equivaleira a menos igualdade? Isso para eles não era muito claro, parecia um falso axioma, não era dialético, era lógica e os dois não gostavam de lógica.

Do que faltava em comum era um outro capítulo, a saber, eles não tinham mãe. Ela sofria uma ausência desde sempre, Margarete era um relato, um não ser sendo. Merina sofria e às vezes escrevia sobre. Ulysses teve Margarida mas não soube amá-la, doía. Ele queria cuidar de Merina como mãe, ela tinha um carinho maternal por Ulysses. Era carinho de mãe, sem restricões, não se sabia, eu não sabia mas era forte, autêntico. Achava que se eu soubesse recontar a história dos dois sozinhos eles ficariam juntos, como que de certa forma eu tivesse poder sobre minhas personagens, sobre a realidade, como o louco que tinha uma maquete de Buenos Aires e jurava controlar os acontecimentos da cidade.
O esdrúxulo do cidadão me fez lembrar que literatura também era esdrúxula, ou como preferem os latinos, estrambótica (parece muito mais latino, o adjetivo). Por que, fique claro, ninguém nessa história iria se suicidar como Arguedas, nem morrer, a não ser de morte natural. No entanto, a própria literatura não questionava o egoísmo do gesto do peruano. Para mim, tanto quanto para Merina e Ulysses isso também era estranho e os fazia desconfiar também da literatura e dos especialistas.

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