terça-feira, outubro 02, 2007

Sobre cigarros, desejos e polvilho


A China ruiria, os enunciados anônimos da imprensa eram claros. Mas aquilo não importava mais para ele. Depois do amanhecer seus pés eram os mesmos da noite anterior. Tinha uma satisfação precária em entender sua paixão egoísta. Não! Não começavam a se desejar um ao outro... Sentira muito frio, pensava nos pés molhados por causa do jogo da amarelinha.
Ele também queria ter fôlego literário para precisar como são bonitos e assustadores os olhos de Maga. Na verdade no primeiro dia que ele travara conhecimento com ela no metrô pensava na possibilidade de passarem horas num vagão discutindo literatura e culinária. Queria lhe ouvir falar sobre luto e melancolia, fósseis mágicos, totens e tabus, matemática e biscoitos de polvilho.
Agora que chegou em casa tentava desenhar Maga numa folha de papel. No rádio o colapso da China. No desenho existiam olhos incríveis e uma boca que sorria.
Ele queria contar todos seus segredos e fazer o rosto dela corar de rir. Ouvir as histórias dela, como uma pessoa que deixa outra entrar em seu quarto e observar a desorganização natural do cotidiano sem enfeites ou retoques. Assim quando ela se cansasse, encostaria a cabeça no colo dele e sentiria suas mãos indecisas acariciando aquele rosto quente e pálido. No fim de um dia inteiro de histórias ele veria Maga dormir com a boca aberta soprar um sonho em seu ouvido.
Murmúrios, o outono chega Maga. O céu azul sopra uma corrente fria que talvez venha da Argentina. Ela disse que não tinha ilusões com relação ao amor e que a moral e a ética serviam pra libertar. As folhas de seu vestido capturavam o olhar dele. Nos olhos tanta poesia como em seus gestos, mas para um autor tão prosaico.
Na primavera, na tevê explicavam que o colapso era por causa dos cigarros. O império havia ruído por não dar atenção devida aos seus fumantes. No dia 8 de outubro a China virou uma complexidade fragmentada como a intimidade entre ele e Maga que fez 48 anos naquele mesmo dia. Hoje ele a viu no ônibus. Ele esboça um sorriso que é cortado por ela como se atravessa uma sombra.
(para a Rose que perdeu a mamãe e em homenagem a Cortázar um autor de espírito encantador)

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