quarta-feira, outubro 03, 2007

Laura


Como uma formiga que de uma queda impossível sai incólume Michele tinha a leveza para cair. Em busca de terras reconquistadas ao esquecimento seu maior remorso é ter dedicado mais tempo as atividades banais em detrimento do que mais importava num cotidiano cheio de detalhes.


Michele lê poesias de dia e de noite
Anda a ler poesias pela calçada
Lê livro que esquenta o pé
Escreve
Escreve e canta
E um dia desses vai criar raiz


Porque um aperto de mãos, a copa das árvores, o silêncio da biblioteca, a restinga que chega até a areia nunca é a mesma. Tudo tão diferente e difícil de lembrar. O trepa-trepa era vermelho, mas quantos balanços amarelos haviam no fundo do ...ela continua a cair e não sente mais o chão nem sua dor, Michele sente a dor dos outros, depois não sente mais nada.
Tenta imaginar os motivos da melancolia de Dr. Gachet. Que força extraordinária... perversa deixou seus cotovelos rotos? Será que foi o sorriso de uma transeunte? Um desejo frustrado? Há beleza no seu olhar profundamente desanimado e penoso. Lembranças, luto, melancolia, talvez o próprio sentido do quadro, se há, seja recordar. Pelo sebos da cidade procura dicionários.


Poeta de pedra
Versifica na poluição
Sente o frio da calçada
Rimbaud oblíquo e iluminado
Cobertor cigarro e cachimbo
Craque da metrópole
Uma vaga lembrança
Tudo se desfaz no ar
Mas o cotidiano é de pedra
Fumegante caos


Situações desfavoráveis no sonho de Michele, para ela e para Laura.


Quando nasci,
não sei se pra sorte ou por maldade,
um anjo torto me disse:
Tu farás muitas coisas,
dentre elas cultuar belas moças.
Ouvi miúda, não sã do que se dera,
sem tino das ranhuras de meu penar.
Hoje, sou eu como as saúvas
arrebatada pelas quimeras das iças.


Tem saudades das noites com Mari fumando e tomando, ouvindo de tudo e de todos. Mas não sente dor. Ela gosta de recordar.
Luana,

Se me quisesse
seria assim: TIM!
Garfo a bater no prato.
Mas, como
nem toda fome é ato,
não se come
o desejo de fato.


Lembra-se de que mostrava as coisas que escrevia para Luana, mas ela não entendia que Michele tinha um humor meio torto.


Isabela ou Beatriz não importa
Todas são minhas. À tarde ou de manhã,
Num ponto de ônibus ou no cinema
Estão vivas a gargalhar
Dizem oi, mas muito mais tchau
Bela, belas ao acaso
Paixão eterna e fugaz


A coceira dos contos começava em casa depois de um dia cheio de aulas, de sebos, de cigarros e de detalhes. Nesta noite em vez de escrever Michele decidiu ler sua escritora favorita.
( para duas amigas minhas, uma por me emprestar seus poemas, outra para provar que não sou egoísta e consigo até dividir criação ou roubar as coisas dos outros)

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