sexta-feira, novembro 04, 2016

La máquina de la memoria:



Talvez seja difícil escrever sobre o ocorrido na minha língua materna. Talvez esse seja o motivo do título. Fazendo meu caminho de volta pra casa estava pensando no que ocorreu hoje e quando sentei pra escrever sobre os fatos me sai o título em espanhol e juro que também pensei em escrever em inglês pois afinal já havia treinado pela tarde contar essa história sem inibições mas questões na língua ‘global’ que não é a minha materna. Enfim contar ou não contar eis a questão.
Questões não me faltam nesses dias e hoje não foi diferente. Havia saído de uma aula, caminhava até a escola onde normalmente dou aulas de Inglês e fui almoçar pelo caminho onde almoço de costume nesse dia. Fica perto de um grande terminal de ônibus da região. Logo, pelas redondezas há muitos botecos escuros e restaurantes de comida barata. Almoço num desses lugares simples de refeições fartas e preço razoável. Havia pedido algo e já começava a comer a pequena salada de entrada quando vi um senhor negro, maltrapilho e sujo entrar cambaleante pelo salão.
Ele pediu algo no balcão, eu achei que era pinga ou qualquer coisa alcoólica e forte pra beber, que foi negado e logo ele voltou em minha direção. Esse homem parou ao meu lado e me pediu algo que eu imaginava que fosse comida, mas não sei se eu não queria dar minha pequena salada, ou achava absurdo alguém passando fome pedir uma salada de alface com tomate, ou achei que aquele tipo não estivesse com fome, ou realmente não entendia o que pedia. O fato é que eu fiz com que ele repetisse três vezes de uma maneira esdrúxula seu pedido por comida. Em seguida chegou o rapaz das mesas e lhe perguntou mais uma vez o que ele queria e ele disse que lhe traria uma salada num pão.
Enquanto o empregado de mesa buscava seu humilde lanche ele passou pelas minhas costas em direção a mesa de duas mulheres que apenas terminavam seu almoço. Insistentemente e de maneira abrupta, com tom de voz alto, e locução alterada pelo tempo ou pelo álcool começou a pedir os pedaços de carnes que restavam nos pratos das comensais. Uma das clientes se irritou porque enquanto pedia ele quase tocava seu prato que ela ainda tentava comer. Enquanto a outra amiga lhe entregava o pedaço de carne. A mulher um pouco desconcertada mas ao mesmo tempo calma dizia que lhe entregaria um pedaço mas pedia que ele esperasse o garçom que também lhe entregaria algo. Por fim ela também cedeu um pedaço mínimo de seu almoço ao  agressivo senhor pedinte.
Eu confesso que fiquei mal, tive dó e ao mesmo tempo raiva daquele homem. No final o garçom lhe entregou seu parco lanche e  pediu que ele se retirasse. Eu como bom hipócrita fui conferir se o hostil mendigo havia pedido mesmo o que eu achava que houvera. Sim.

Talvez não se possa esperar de alguém que vive, ou sobrevive, ou resiste nas ruas, às intempéries, à sorte e ao léu um pouco de boas maneiras. Gentileza talvez seja somente pra quem tem o que comer ou um lugar razoavelmente seguro pra dormir. 

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