Talvez
seja difícil escrever sobre o ocorrido na minha língua materna. Talvez esse
seja o motivo do título. Fazendo meu caminho de volta pra casa estava pensando
no que ocorreu hoje e quando sentei pra escrever sobre os fatos me sai o título
em espanhol e juro que também pensei em escrever em inglês pois afinal já havia
treinado pela tarde contar essa história sem inibições mas questões na língua ‘global’
que não é a minha materna. Enfim contar ou não contar eis a questão.
Questões
não me faltam nesses dias e hoje não foi diferente. Havia saído de uma aula,
caminhava até a escola onde normalmente dou aulas de Inglês e fui almoçar pelo
caminho onde almoço de costume nesse dia. Fica perto de um grande terminal de
ônibus da região. Logo, pelas redondezas há muitos botecos escuros e
restaurantes de comida barata. Almoço num desses lugares simples de refeições fartas
e preço razoável. Havia pedido algo e já começava a comer a pequena salada de
entrada quando vi um senhor negro, maltrapilho e sujo entrar cambaleante pelo
salão.
Ele
pediu algo no balcão, eu achei que era pinga ou qualquer coisa alcoólica e forte
pra beber, que foi negado e logo ele voltou em minha direção. Esse homem parou
ao meu lado e me pediu algo que eu imaginava que fosse comida, mas não sei se
eu não queria dar minha pequena salada, ou achava absurdo alguém passando fome
pedir uma salada de alface com tomate, ou achei que aquele tipo não estivesse
com fome, ou realmente não entendia o que pedia. O fato é que eu fiz com que
ele repetisse três vezes de uma maneira esdrúxula seu pedido por comida. Em
seguida chegou o rapaz das mesas e lhe perguntou mais uma vez o que ele queria
e ele disse que lhe traria uma salada num pão.
Enquanto
o empregado de mesa buscava seu humilde lanche ele passou pelas minhas costas
em direção a mesa de duas mulheres que apenas terminavam seu almoço.
Insistentemente e de maneira abrupta, com tom de voz alto, e locução alterada
pelo tempo ou pelo álcool começou a pedir os pedaços de carnes que restavam nos
pratos das comensais. Uma das clientes se irritou porque enquanto pedia ele
quase tocava seu prato que ela ainda tentava comer. Enquanto a outra amiga lhe
entregava o pedaço de carne. A mulher um pouco desconcertada mas ao mesmo tempo
calma dizia que lhe entregaria um pedaço mas pedia que ele esperasse o garçom
que também lhe entregaria algo. Por fim ela também cedeu um pedaço mínimo de seu
almoço ao agressivo senhor pedinte.
Eu
confesso que fiquei mal, tive dó e ao mesmo tempo raiva daquele homem. No final
o garçom lhe entregou seu parco lanche e
pediu que ele se retirasse. Eu como bom hipócrita fui conferir se o
hostil mendigo havia pedido mesmo o que eu achava que houvera. Sim.
Talvez
não se possa esperar de alguém que vive, ou sobrevive, ou resiste nas ruas, às
intempéries, à sorte e ao léu um pouco de boas maneiras. Gentileza talvez seja
somente pra quem tem o que comer ou um lugar razoavelmente seguro pra dormir.
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