segunda-feira, outubro 13, 2008

Souvenir


"a usually small and relatively inexpensive article given, kept, or purchased as a reminder of a place visited, an occasion, etc.; memento".

Todos estavam mortos. Um passarinho ou uma flor, não importa, assim como todos indo mais um dia pro trabalho, mortos. Lembrou-se de que ela também estaria morta. Aquela dorzinha na têmpora, do lado esquerdo, uma dor tão banal, havia se tornado epitáfio, sentença de morte, condenação, etc. Encarava seu reflexo no espelho do ônibus, morta sem ao menos ter vivido, amou Douglas, conheceu a Índia e o México, mas isso não contava mais.

Lembrava-se também de Ulysses, da pergunta, você acredita em Deus, agora é que ela não acreditava mesmo. Sempre quis ter um filho, se chamaria Felipe ou Frederico, e se fosse menina o parceiro escolheria. E deus não fazia nenhum sentido numa vida sem sentido algum. Um passarinho ou uma flor, mortos, sem valor algum, sem valor nenhum, etc.

Não tinha mais nenhuma vontade em continuar, nenhum desejo, gostava de conversar com Silvia, talvez seu único desejo fosse ver Silvia, sua única vontade era encontar Silvia e lhe falar da sensação do diagnóstico, quando o médico lhe disse que morria, num tom protocolar, um hálito quente e agradável, pensou em Frederico ou Felipe, não iria mais conhecê-los e chorou.

"pero ellos ni siquiera saben
que mientras ruedan en su amarga arena
hay una pausa en la obra de la nada,
el tigre es un jardín que juega".


CORTÁZAR






Um comentário:

Anônimo disse...

tendemos a repetir em nossas presentes relações, aquela primeira: a de mãe e filho - indubitavelmente dolorosa, persecutória...é isso que nos aproxima.